Tuesday, May 15, 2007

Sérgio

Naquela vila era tudo muito chique, tudo muito tio, tudo muito, "sei lá", bem. Todos se conheciam, obviamente, e os que não eram família eram tios (que engraçado, não acham?). Ia-se à mercearia do Sr. António e conversava-se no cabeleireiro da Menina Salette. Era lá que se partilhavam os conhecimentos dos que na vila viviam - por conhecimentos, que se entenda aqueles de foro público e, claro está, os de foro privado.
Todos gostavam da mesma música e adoptavam sempre o comportamento social correcto (pelo menos, esta era a sua fachada).
Um dia, foram viver para a vila umas pessoas com comportamentos diferentes. Faziam o que queriam e não se preocupavam com as opiniões em geral.
Aos poucos, começaram a irritar-se com aquela "bolha" que todos vestiam antes de sair de casa e que fazia com que todos fossem iguais. Então tornaram-se maus. E a vila passou a viver no medo e ninguém queria mais sair de casa. O cabeleireiro da Menina Salette fechou, e a mercearia do Sr. António só abria a horas muitos específicas.
Um dia passei lá, e como acontecia a todas as outras pessoas, fui assaltada. Aliás, um deles entrou no meu carro para que ficasse ainda com mais medo. E eu falei com ele.
Chamava-se Sérgio! Era muito mais do que mostrava. Queria dar um ar de quem não se preocupava com nada e que era apenas mais um deles, que assaltava porque não gostava de ninguém em particular e que não tinha muito para mostrar (portanto o melhor era nem tentar).
Conversámos durante horas e vi nele uma pessoa diferente, uma pessoa que por viver no medo se escondia. Houve uma certa empatia entre ambos e acabou por me deixar ir embora.
Nunca mais o vi e também nunca mais passei na vila. Espero que tenha escolhido o melhor caminho para ele.

Aproveito e deixo-lhe um beijinho (nunca se sabe se um dia vai ler isto).

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